Na sequência da repressão setorial, da crise de confiança e da profunda revisão regulatória entre 2022 e 2024, o mercado das criptomoedas em 2025 entrou num novo ciclo de transformação liderado por instituições. Com o enquadramento regulatório cada vez mais claro e os canais conformes plenamente abertos, os criptoativos estão gradualmente a deixar de ser considerados “ativos periféricos” para assumirem um papel de “alocação central” em cada vez mais carteiras institucionais.
Esta institucionalização acelerada resulta de diversas políticas de referência e acontecimentos de mercado:
Este novo contexto regulatório restabeleceu a confiança dos mercados e reestruturou os fluxos de capital. De acordo com o Institutional Digital Assets Survey da EY-Parthenon em 2025, mais de 86% dos investidores institucionais globais já investiram, ou planeiam investir, em criptoativos nos três anos seguintes. O estudo da Nomura revela igualmente que mais de metade das instituições japonesas já incluíram ativos digitais nas suas estratégias.
É neste enquadramento que este relatório analisa, de forma estruturada, as motivações da alocação institucional a criptoativos, detalhando a evolução das estratégias de investimento, os percursos diferenciados de alocação e as novas formas de participação no mercado. Através de estudos de caso, serão também identificadas oportunidades estruturais emergentes neste novo “período institucional”.
Os ativos digitais evoluíram de instrumentos de “alta volatilidade” e “alto risco” periféricos para se tornarem componentes essenciais nas carteiras institucionais. Diversos estudos apontam para mais de 83% dos investidores institucionais a pretenderem manter ou reforçar a alocação a ativos digitais em 2025, sendo significativa a fatia dos que planeiam aumentos substanciais. As motivações institucionais resultam tanto das caraterísticas diferenciadoras dos ativos digitais, como do amadurecimento da infraestrutura tecnológica de suporte e de uma crescente confiança nas tendências tecnológicas futuras.
Desde 2012, criptomoedas como o Bitcoin (BTC) superaram de forma recorrente ativos tradicionais como ouro, prata e Nasdaq em termos de retorno. O BTC registou uma rendibilidade média anualizada de 61,8% e o ETH (Ethereum) de 61,2%, claramente acima da maioria dos ativos convencionais. Paralelamente, as carteiras institucionais tradicionais observam uma erosão das rendibilidades marginais. Num contexto pós-pandémico, com inflação elevada e incerteza nas taxas, as instituições procuram proteger-se optando por ativos de baixa correlação como instrumento de cobertura e diversificação.
De acordo com estudos, a correlação do Bitcoin com as ações manteve-se, em média, abaixo dos 0,25 nos últimos cinco anos, e com o ouro situou-se entre 0,2 e 0,3. Face a moedas e matérias-primas de mercados emergentes — como América Latina e Sudeste Asiático — a descorrelação é ainda mais acentuada. Tal torna os criptoativos um instrumento valioso para instituições que procuram geração de alfa, cobertura de risco sistémico e otimização do rácio Sharpe das suas carteiras.
Desde 2020, o afrouxamento monetário global resultou numa valorização generalizada dos principais ativos, tornando a inflação uma preocupação central para investidores internacionais. Criptoativos — nomeadamente Bitcoin — assumem-se, cada vez mais, como escudo face à desvalorização das moedas fiat, em virtude da limitação técnica da oferta a 21 milhões de moedas. Esta escassez atribui ao BTC o estatuto de “ouro digital”, ajustado à preservação de valor no longo prazo. Rick Rieder, CIO da BlackRock, declarou: “A longo prazo, o Bitcoin é mais reserva de valor do que simples moeda de transação.”
Historicamente, a relutância dos investidores institucionais em relação aos criptoativos prendeu-se à falta de transparência nos mecanismos de liquidação, à ausência de soluções de custódia padronizadas e ao aumento do risco de contraparte. Nos primeiros tempos, o mercado cripto funcionava como “shadow finance”, sem sistemas centrais de compensação, entidades de custódia reguladas ou frameworks normalizados de gestão de risco — ao contrário do que sucede nas finanças tradicionais. Para grandes instituições, a incerteza na liquidação pós-negociação ou na segurança dos fundos constituía, ela própria, um risco material.
Nos últimos anos, no entanto, as infraestruturas cripto registaram uma transformação profunda, nomeadamente nestes pontos:
A entrada institucional no mercado cripto espelha também uma aposta estratégica nos paradigmas tecnológicos do futuro. Setores inovadores como Web3, DeFi e Ativos do Mundo Real (RWA) deverão redesenhar a oferta de serviços financeiros e a representação dos ativos.
Exemplos:
Nestas mudanças de paradigma, quem atua primeiro beneficia de vantagens de pioneirismo relevantes.
Muitos investidores institucionais — designadamente fundos de pensões e seguradoras — enfrentam uma renovação geracional da sua clientela. Geração do milénio e geração Z, mais familiarizados com ativos digitais, impulsionam as instituições a rever modelos de alocação. Um relatório da Fidelity de 2024 revelou que quase 60% dos clientes da geração do milénio querem BTC ou ETH nas suas carteiras de reforma. Esta tendência acelera a diversificação e democratização da oferta institucional de ativos cripto.
Com a institucionalização crescente do mercado cripto e a maturação das estruturas dos ativos digitais, a participação institucional tornou-se cada vez mais diversificada. De alocações iniciais a carteiras multi-estratégia, o investimento institucional evidencia tendência para segmentação, sofisticação e integração. Este capítulo analisa, nas dimensões tipo de instituição, estilo de investimento e percurso de alocação, as estratégias e preferências típicas dos vários perfis institucionais.
Os investidores institucionais constituem um ecossistema diversificado, com graus de risco, mandatos de alocação e necessidades de liquidez distintos. Os principais intervenientes incluem family offices, fundos de pensões e soberanos, e endowments universitários, cada qual com comportamento próprio no universo das criptomoedas.
As instituições adotam estratégias essencialmente agrupadas em modelos ativos e passivos, consoante o perfil de risco/retorno e o grau de empenho operacional pretendido.
Na prática, as instituições deixaram de ver o cripto como aposta isolada, passando a encará-lo como subcarteira segmentada nas suas estratégias globais. Os percursos de alocação agrupam-se em três grandes modelos:
Da análise transversal dos tipos institucionais, estilos de investimento e percursos de alocação resulta que o investimento institucional deixou há muito de ser “apenas aquisição de tokens”. Já se constroem sistemas de alocação com diversidade de estratégias, diversidade de percursos e diversidade setorial.
Esta evolução estrutural revela:
No horizonte, a expansão da oferta conforme e o amadurecimento da infraestrutura ditarão estratégias institucionais cada vez mais segmentadas e diversificadas—preparando o terreno para que os criptoativos assumam o seu lugar como pilar do sistema global de alocação de ativos.
O interesse institucional em criptoativos intensificou-se no último ano. Cada vez mais empresas cotadas e instituições de investimento reforçaram a exposição a ativos como Bitcoin (BTC) e Ethereum (ETH), através de aquisições diretas, expansão de portefólios ou detenções de longo prazo. Esta tendência reflete não só o reconhecimento do mercado cripto pelo capital financeiro tradicional, mas também sublinha o potencial de cobertura da inflação e diversificação de portefólios que ativos como o Bitcoin oferecem.
A MicroStrategy (NASDAQ: MSTR), tecnológica tradicional especializada em software de business intelligence (BI), foi fundada em 1989, dedicando-se à análise e reporting de dados empresariais para grandes clientes. O crescimento do core business estagnou na última década, com desafios de receita e rentabilidade.
Com as mudanças macroeconómicas, subida da inflação e queda do retorno nos ativos convencionais, a gestão da MicroStrategy reavaliou a estrutura do balanço e a eficiência do capital.
Em 2020, sob Michael Saylor, a empresa fez uma aposta arrojada e controversa: adotou o Bitcoin como principal ativo de reserva do tesouro.
Em agosto de 2020, a MicroStrategy comprou o seu primeiro lote de Bitcoin—21.454 BTC por 250 milhões de dólares. Entre 2020 e 2024, prosseguiu com aquisições sucessivas, totalizando mais de 620.000 BTC e um investimento superior a 21 mil milhões de dólares.
Importa sublinhar que esta acumulação agressiva não foi financiada apenas com capitais próprios. A MicroStrategy recorreu a diversos instrumentos de mercado—obrigações convertíveis, colocação privada, emissões de ações ATM—adotando uma estratégia de “dívida + alavancagem” para maximizar a exposição e retorno em BTC.
Esta abordagem permitiu mobilizar fundos externos e transformou gradualmente a MicroStrategy numa empresa cotada que representa o Bitcoin. O preço das ações passou a estar fortemente correlacionado com o do BTC, sendo hoje vista por muitos como um precedente de ETF de Bitcoin à vista.
A estratégia de “tesouraria Bitcoin + financiamento de mercado de capitais + revalorização do BTC” redefiniu o perfil de negócio da MicroStrategy. No relatório do 2.º trimestre de 2025, apesar do negócio de software permanecer estável, a valorização do BTC tornou-se o principal motor da rentabilidade, com lucros líquidos trimestrais acima de 10 mil milhões de dólares e valorização bolsista superior a 39% em 2025. Isto transformou não só o posicionamento de mercado como reforçou significativamente a liquidez e robustez do balanço.
No início de julho de 2025, a MicroStrategy anunciou a compra de 21.021 BTC por 2,46 mil milhões de dólares, aproximando-se do máximo de reservas históricos em Bitcoin. Contudo, nas duas semanas seguintes não foram comunicadas novas compras, o que suscitou especulação sobre um eventual abrandamento temporário. Esta variação ilustra a flexibilidade e gestão de risco com que as instituições reagem à volatilidade do mercado.
Ao ser a primeira empresa cotada a manter ativos digitais à escala, a MicroStrategy abriu caminho para tratar o Bitcoin como ativo fundamental no balanço corporativo. A sua estratégia tornou-se modelo para empresas como Tesla, Square (Block) ou Nexon, e estimulou o debate sobre a otimização da tesouraria empresarial com criptoativos.
Para além da decisão de investimento, a abordagem da MicroStrategy é uma estratégia global de proteção contra a inflação, reestruturação da eficiência do capital e procura de revalorização. Hoje, com ETFs de Bitcoin à vista e canais institucionais em expansão, o paradigma “tesouraria de Bitcoin” da MicroStrategy deixa de ser exceção para se tornar tendência sistémica, referência central para a crescente institucionalização do mercado cripto.
Segundo a Bloomberg, a Bitmine detém hoje cerca de 833.000 ETH, avaliados em quase 3 mil milhões de dólares, figurando entre os maiores detentores institucionais de Ethereum. Ao contrário das estratégias tradicionais centradas no Bitcoin, a aposta significativa da Bitmine em ETH reflete a sua convicção quanto ao potencial de longo prazo do ecossistema Ethereum, incluindo smart contracts, Layer 2 e tokenização de ativos.
A cotada japonesa Metaplanet adquiriu recentemente mais 463 BTC por cerca de 53,7 milhões de dólares, incrementando a sua exposição a Bitcoin. Enquanto representante dos novos investidores asiáticos em Bitcoin, a estratégia de acumulação da Metaplanet acompanha a progressiva clarificação regulatória do Japão e pode incentivar mais empresas asiáticas a reequacionar a alocação estratégica dos seus ativos.
Para além do Bitcoin, várias empresas diversificam agora para outros ativos digitais de destaque. A Sequans adquiriu mais 85 BTC, totalizando 3.157 BTC, enquanto a GameSquare reforçou a sua posição em ETH em 2.717 unidades, atingindo 15.630 ETH. Estes movimentos mostram que algumas instituições procuram otimizar a carteira através de uma exposição mais equilibrada a BTC e ETH. Simultaneamente, cresce o interesse em cadeias emergentes como Solana, refletindo uma aposta no novo ecossistema Layer 1.
Com a clarificação regulatória e a maturidade da infraestrutura em aceleração, os investidores institucionais estão a entrar no mercado das criptomoedas com intensidade e profundidade inéditas. O fenómeno não é conjuntural, mas uma opção estratégica sustentada por necessidades de cobertura macro, objetivos de otimização de portefólios e expectativas de dividendos tecnológicos. A baixa correlação dos criptoativos, o seu elevado potencial de retorno e o crescente papel do blockchain enquanto infraestrutura financeira são os pilares da participação institucional.
Ao nível do desempenho, apesar da volatilidade intrínseca dos mercados cripto, ativos principais como Bitcoin e Ethereum provaram robustez nos vários ciclos de mercado. O crescimento dos ETFs, a outperformance das estratégias on-chain e a resiliência dos fundos multi-estratégia em ambientes de baixa correlação validam a alocação institucional.
Num horizonte próximo, a participação institucional tornar-se-á cada vez mais diversificada e sistemática, passando por:
Tudo isto reflete uma viragem nos mercados cripto — da simples entrada de capital para uma integração institucional profunda e transformação da governance.
Nesta evolução, as instituições pioneiras desempenharão não apenas o papel de investidores, mas de arquitetos e catalisadores do novo paradigma financeiro. Os criptoativos deixam de ser exclusivos de especuladores e passam a ocupar o centro do sistema financeiro contemporâneo.
Referências
Gate Research é uma plataforma de pesquisa especializada em blockchain e criptomoedas que fornece conteúdos aprofundados, incluindo análise técnica, insights de mercado, estudos setoriais, previsões de tendências e análise de políticas macroeconómicas.
Aviso Legal
O investimento em mercados de criptomoedas envolve riscos elevados. Os utilizadores devem efetuar a sua própria análise e compreender totalmente a natureza dos ativos e produtos antes de tomarem qualquer decisão de investimento. A Gate não se responsabiliza por perdas ou danos resultantes dessas decisões.